Curso de Teoria de Música, Parte 4: Escalas gregas (escalas eclesiásticas) ou modos gregos (de Axel Bergstedt)

Além das escalas maiores e menores existem muitas outras escalas como a escala chinesa, a escala árabe, a escala cigana, a escala penta-tônica, a escala cromática etc. Na história da música europeia se destacam as escalas gregas ou modos gregos. Eles predominavam na época medieval e se desenvolveram sobretudo na música da igreja.

Os nomes se referem a tribos da antiga Grécia, que tinham línguas ou dialetos diferentes, mas também estilos arquitetônicos, formas de colunas e escalas musicais diferentes. Desta forma, apareciam o modo dórico (Dória), o modo frígio (da região da Frígia), o modo lídio (da Lídia), o modo jónio (da região da Jónia) e o modo eólio (da Eólia). Também aparece um outro — que é uma mistura dos modos lídio e dórico — denominado modo mixolídio. Atenção, as palavras iguais ou parecidas podem se referir também aos dialetos ou estilos arquitetônicos.
Até o século XV predominaram os tons dórico, frígio, lídio e mixolídio. Depois apareceram também o eólio e jônio que hoje são os modos menor e maior, e os primeiros cairam em desuso, fora algumas exceções.

Descobriu-se com o tempo, que as escalas na antiga Grécia não eram tão idênticas com as da época medieval como se pensava; inclusive alguns nomes são trocados. Por isso seria melhor falar em escalas eclesiásticas ou litúrgicas, ou então em modos eclesiásticos ou litúrgicos, mas se acha muito mais o termo "modo grego". Note então que estas nossas escalas gregas não são idênticas com as da antiga Grécia que podem ser comparadas na wikipédia alemã.

Assim como os dois modos Dó maior (antigamente jônio) e Lá menor (antigamente eólio) têm a mesma armadura mas terminam em outra tônica, também os outros modos têm a mesma armadura, mas terminam com outra tônica. Se o jõnio (hoje: maior) termina em Dó, o dórico termina em Ré, o frígio em Mi, o lídio em Fá, o mixolídio em Sol, o eólio (hoje: menor natural) em Lá e ou Lócrio em Si. 







Exemplos dóricos: Canto gregoriano: Veni Redemptor gentium_Schola Cantorum Riga  


Hino 3 do Hinário Luterano (Ó Salvador, dos altos céus), no original alemão "Oh Heiland, reiss die Himmel auf", no modo dórico.

Johann Sebastian Bach: Toccata dórica
 

 

Ottorino Respighi " Quartetto dorico" Brodsky Quartet:
  

Improvisación modal (Modo Dórico) - Augusto Camerini : 


Exemplos frígios: Johann Sebastian Bach: Ó fronte ensanguentada (Coral Esperança)
 

 
"Ó fronte ensanguentada" na versão do Hinário Luterano Cifrado por Axel Bergstedt. Sempre é difícil harmonizar os modos litúrgicos ou gregos, já que as harmonias e as leis de harmonização são das épocas posteriores que nem usaram mais muito esses modos antigos. Em parte ele pode ser harmonizado como se fosse em Lá menor, em parte como Dó maior. Sobretudo o fim com o tom Mi dificulta. Por isso tem aqui três possíveis soluções, que terminam com C ou E. Também um fim em Am seria possível.

Exemplos lídios: Introdução de Cluster one de Pink Floyd  
O canto é lídio porque tem um sustenido. Se fosse Sol maior, terminaria em Sol, mas ele  termina com Dó, o que é o quarto grau a partir de Sol. Então é lídio. (Se terminasse em Lá seria dórico e se terminasse em Si seria frígio)


Exemplo mixolídio: 
Hinário Luterano 97 "Ouves no calvário" melodia 1 (Em inglês: Penitence) de Spencer Lane (1843 -1903)


O eólio e o jônio viraram no século XV e XVI as escalas maiores e menores e estão desta forma ônipresentes na música, enquanto as outras escalas gregas tornaram-se obsoletas. (O lócrio jamais foi usado, ao que se sabe.) Tem, porém, em alguns países música folclórica e algumas tentativas no jazz e outros gêneros da música que empregam as escalas gregas, mas tudo pouco conhecido. O mixolídico se acha também em músicas folclóricas nordestinas no Brasil.

Existe também uma escala lídia com sétima menor, também chamada escala acústica. Exemplo bem divulgado: O tema de Os Simpsons:


Modos autênticos e plagais:


No canto medieval, sobretudo na salmódia (canto dos salmos) se diferenciava entre os tons autênticos e plagais. Se uma música dórica tem o âmbito de Ré até o outro Ré, como o exemplo "O Salvador, dos altos céus" em cima, é autêntico. Mas se fosse assim que a melodia começasse em Ré e subisse somente até a quinta (mais ou menos) e ao outro lado também descesse uns três ou quatro tons para baixo dele, assim que o Ré ficasse no meio, o modo continuaria ser chamado de dórico, mas mais exato hipodórico. "Hipo" é grego e significa "em baixo", porque a melodia vai também em baixo do tom principal.

Na salmódia (canto dos salmos) o tom da recitação, onde se cantam normalmente muitas sílabas no mesmo tom, é muito importante. Os cantores treinados na salmódia sabem logo a maneira como cantar se o maestro exige, por exemplo, o terceiro tom. Eles recitam a maioria do texto no tom da repetição (repercussa, tuba ou também chamado de dominante) e finalizam no tom da tônica. Teve na época medieval os 8 tons que coincidem com os números na imagem, e mais um nono tom misto chamado de "tonus peregrinus".
Todos os modos plagais recebiam o prefixo "hipo". Em algumas igrejas a salmódia é praticada até hoje, por exemplo na igreja católica, embora que talvez muitos católicos nem a conhecem.


Em cima: Hipodórico (2º tom da salmodia). O Ré fica no meio, o fim é Ré, 
e a repetição (recitação) acontece em Fá. Muitas vezes se escreve em lugar
das cinco (ou mais) notas repetidas só uma nota branca sem haste, uma
semibreve, ou se puder, uma breve. Mas ela não demore realmente 4 ou
8 tempos, mas demora até terminarem as sílabas.




 

Os tons dos Salmos

Até hoje os salmos são cantados em algumas igrejas segundo de modelos antigos baseados nos primeiros 8 tons descritos em cima. Os modelos variam um pouco entre as igrejas. O tom da recitação (tuba, tenor, dominante) não aparece se é usada uma melodia mais desenvolvida. Mas a música termina em seu tom principal:

A abadia católica St, Meinrad, EUA, ensina os tons dos salmos já em notas modernas e oferece uma notação mais grave (Lower Key) e uma mais aguda (Higher Key) para grupos, que gostem de cantar mais agudos. Dependendo da altura mudam os acidentes (bemois e sustenidos). Em baixo o primeiro tom, ele tem sua dominante no quinto grau (nota Lá na versão sem acidentes), e termina no primeiro grau da escala dórica, como já aprendemos em cima. Mas o modelo não é simples, por isso existem também outros tons para as recitações:


 
 Normalmente os salmos são anotados em neumas, antecessores das notas. Elas não têm acidentes, porque no original não houve instrumentos para acompanhar os salmos, e assim os cantores escolheram a altura livremente. O exemplo do primeiro tom dos salmos em baixo tem o dó definido pela chave de Dó na linha superior. Por isso pode se entender, que a primeiro nota é um Fá, de onde se sobe para o tom da recitação Lá, que é a quinta da escala. Isso corresponde ao que foi mostrado em cima nos modelos. O modelo tem variantes, mas sempre termina em Ré, com exceção das últimas três variantes (g, g2 e g3), que terminam na quarta Sól e são exceções.




Veja aqui um outro livro, que traz mais variantes:




No trecho em cima se encontram também o segundo tom (II), que é hipodórico, e ou terceiro (III), que é frígio. No segundo tom a clave coloca o Dó na segunda linha. A melodia começa, então, com Sól, tem sua recitação em Dó, e termina com Lá. Se o segundo tom é hipodórico, deveria terminar em Ré, né?
Certo, mas seria muito grave para cantar, já que hipodórico exige que a melodia vá também para mais baixo do tom principal. Por isso fizeram uma transposição uma quinta para cima. Se fosse notado no sistema moderno, teria na frente um sustenido, mas no neumas antigas o sustenido só era notado na frente da respectiva nota. Já que não consta Fá nenhum na música, é difícil perceber que se trata de uma transposição.
Temos então uma escala dórica com um sustenido, que tem como tom principal o Lá. Já que se trata do Modo 2 ou Tom dos Salmos 2, o ámbito vai até uma quarta em baixo desse Lá, e o tom da recitação é Dó, a terça em cima do tom principal, o que corresponde aos modelos em cima.
Na abadia St. Meinrad se canta o segundo tom (Modo 2) dois ou um tom mais grave, então com um ou quatro bemois:
 Outro exemplo para o Modo 2 (Tom dos Samos 2):



O terceiro modo é frígio, vai em princípio de Mi até Mí e deveria ter o tom da recitação no sexto grau (Dó). O exemplo em cima (Office Psalm Tones) traz um modelo surpreendente, que não termina no tom principal. Já o Modo 3 da abadia St. Meinrad termina direitinho no tom principal, na versão sem acidentes é um Mi.



O próximo modelo traz como tom da recitação a quinta Sí, e também não termina no tom principal Mi.


Mais tons dos salmos se encontram nos sites www.saintmeinrad.edu/media/28538/Modal%20Psalm%20Tones%20(Mod).pdf  e
http://media.musicasacra.com/pdf/tones.pdf  e aqui:
 Tradução: Sic = assim, incipitur = se começa (compare no português: incipiente = iniciante), et = e, flectitur = se flexiona, se curva para baixo; mediatur = se medita, canta-se como parte média, atque = e, finitur = se finaliza: Assim se começa, assim se flexiona, e assim se medita, e assim se termina.
O Tom IV (hipofrígio) termina aqui com Mí, mas a recitação fica nesse modelo em Sol. 
O Tom V (Lídio) é bem regular, começa e termina com Fá e recita em Dó.

O Tom VI (hipofrígio) tem duas claves, se deve se decidir por uma, a outra é para uma alternativa mais aguda ou mais grave. Valendo a clave superior a música começa com Fá e recita em Lá, correspondendo com o esquema colorido em cima. Valendo a clave inferior, o tom começa e termina em Dó e recita em Mí.
O Tom VII, mixolídio, recita devidamente em Ré, mas o final não é Sol, mas Lá, que seria a segunda do Tom principal, ou com Ré ou Dó.


Já o oitavo tom dos salmos, hipomixolídio, recita como no modelo colorido em cima no Dó e começa e termina devidamente no Sol.



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